terça-feira, 4 de outubro de 2011

Perder mais tempo ou ganhar o futuro?


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Ontem perdi quase duas horas da minha vida para assistir a um debate na RTP: no “Prós e Contras” o Ministro Miguel Relvas, valentemente frente a uma plateia hostil constituída maioritariamente por Presidentes de Câmaras e de Juntas de Freguesia, explicou as linhas da reforma eleitoral autárquica. Por um lado, uma visão reformista dialogante mas firme na persecução dos objectivos propostos; por outro lado, a resistência de capelas e capelinhas cujos argumentos apresentaram o municipalismo português como expoente máximo da excelência num monólogo absurdo de uma classe que recusa perder os privilégios despesistas, salvo honrosas excepções.

É certo que existem graves assimetrias na organização urbanística do território português. Também é correcta a visão que defende o investimento local, vocacionado já não para o crescimento de infra-estruturas (que além dos custos de construção acarretam despesas de manutenção por longos anos) mas sim para a criação de oportunidades de integração produtiva das novas gerações e para o desenvolvimento de sinergias entre regiões.
Todavia, a estratégia de crescimento aplicada nas últimas duas décadas, seja pelos governos seja pelos municípios, está ultrapassada e tem que ser alterada.

Não quero falar das rotundas nem dos estádios de futebol. Também não quero falar dos altos níveis de empregabilidade autárquica nem dos custos tremendos inerentes à chico-espertice da desorçamentação através das empresas municipais. Nem é relevante discorrer acerca de outros pormenores de distribuição do dinheiro público através dos subsídios atribuídos a uma multiplicidade de associações locais ou das viagens de lazer em veículos camarários proporcionadas a grupos de munícipes (basta ver o Preço Certo para perceber do que estou a falar) ou, já agora, das festas e romarias patrocinadas pelo erário público. Isso aconteceu porque o exemplo vem de cima, e o que veio de cima ao longo de décadas não foi um bom exemplo.

Por conseguinte, o que é urgente agora é reformar hábitos, estratégias, práticas. É difícil executar cortes na despesa e proceder a reformas quando a estrutura administrativa não quer colaborar. Por isso, é de louvar a atitude dialogante de governo, desde que esse diálogo seja efectuado através de uma escuta activa e não resulte em intermináveis discussões, plenas de inflexibilidade e rigidez. O país está numa encruzilhada muito perigosa e o tempo escasseia para Portugal sair desta crise.

O tempo aqui faz a diferença. Isso é compreensível através da história recente: a Grécia conseguiu em 2010 diminuir o seu défice público em cinco pontos, mas esse esforço rápido provocou uma espiral recessiva que a está a levar ao colapso. Esse caminho está provado que não é o correcto.

Ora o acordo que sustenta o empréstimo internacional que nos foi concedido prevê um calendário extremamente apertado e isso constitui um problema, como é fácil de ver através do caso grego. Por isso mesmo é crucial criar condições que propiciem reformas e resultados imediatos de sucesso para que Portugal reconquiste a força negocial e a razão objectiva dos factos de modo a criar a possibilidade de reajustar o espaço temporal concedido para a recuperação económica.

Temos que ganhar tempo para corrigir os desvios que vão ainda ser descobertos. Temos que ganhar tempo para recapitalização dos bancos para não asfixiarmos ainda mais o tecido empresarial produtivo. Temos que ganhar tempo para aplicar medidas sociais que limitem o efeito devastador do desemprego nas famílias. E a médio prazo, temos que inverter a estratégia demográfica porque reside o nosso declínio como nação sustentável.

A nossa recuperação, na minha opinião, só pode ser efectuada no curto-prazo através de 3 caminhos simultâneos: a reforma das instituições, o controlo da despesa pública e o reforço do investimento privado. Os especialistas sabem como fazê-lo: o que é crucial é enfrentar os grupos de interesse instalados e explicar à população qual a situação e a estratégia para superarmos as dificuldades.

No imediato, face às últimas notícias, não é preocupante faltarem poucos meses para reduzir o défice de 8.3%, no 1º semestre, para 5.9% no final do ano de 2011? Não é preocupante o País ter já gasto em 6 meses 70% do que estava autorizado a gastar até ao final do ano? Se fizermos as contas temos que reduzir a despesa em 678 milhões de euros por mês até ao final de Dezembro; então como vamos alcançar estes resultados sem efectuar mais medidas extraordinárias?

Já desperdiçámos muito tempo com o ilusionismo político das últimas décadas. O actual Governo, em apenas 100 dias, iniciou um caminho que devia ter sido percorrido há muito tempo. Agora, encontramo-nos numa situação em que temos de fazer à pressa aquilo que foi antes adiado. Por isso, é urgente agir com racionalidade. Há muitas reformas estruturais a fazer e que não podem ser mais adiadas.

Temos que agir já se queremos ganhar tempo junto de quem nos empresta o dinheiro que agora precisamos e que antes desperdiçámos. Agir agora, com coerência e estratégia, significa não desperdiçarmos mais uma oportunidade.

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