quarta-feira, 19 de maio de 2010

A retroactividade é expressamente proibida pela Constituição? Não importa: é fartar, vilanagem!


Entre uma confusão de declarações contraditórias por parte de membros do governo, hoje os jornais noticiaram que agravamento da taxa de IRS (previsto no pacote de medidas de austeridade mas que ainda não está em vigor) seria aplicado a todo o rendimento anual dos portugueses. Entretanto o Primeiro-Ministro já veio desmentir (!) e garantiu que o agravamento do IRS só aconteceria a partir de 1 de Junho.

Ao contrário de outras medidas do pacote do governo, como o aumento do IVA (que só se aplicam na segunda metade deste ano), se ocorresse o agravamento retroactivo do IRS para 2010 este teria efeito sobre o rendimento recebido ao longo de todo o ano mesmo que esse impacto só fosse totalmente sentido pelos contribuintes em 2011.

Todavia, ainda resta saber como o governo vai definir este agravamento na colecta de IRS para 2010 que entrará em vigor a 1 de Junho, pois por Lei não poderá dividir o ano fiscal em duas partes, pelo que o mais provável será aumentar o imposto referente a 2010 em aproximadamente 0,5% e 0,75%, respectivamente para os escalões já anunciados (rendimentos abaixo de 18000 euros por ano e rendimentos acima de 18000 euros ano. Assim sendo, só na colecta do ano de 2011 (que ocorrerá em 2012) é que terá efeito o agravamento completo do IRS em 1% e em 1,5% para os respectivos escalões.

Se aquela medida de retroactividade fosse aplicada para o ano de 2010, uma vez mais, estaríamos sujeitos a uma inconstitucionalidade na orientação seguida pelo Governo, tal como sucedeu em outros anúncios recentes de subidas de impostos – como é o caso da taxa sobre as mais-valias bolsistas ou mesmo o novo escalão de 45% para os rendimentos iguais ou superiores a 150 mil euros. Nestas duas situações, mesmo podendo ser taxas moralmente justas (apesar da duvidosa rentabilidade), a Lei Tributária e a Constituição têm que ser respeitadas e não parece, até ver, ser esta a intenção do Governo.

Ora, aquelas situações ainda não foram devidamente esclarecidas e se, no caso das mais-valias bolsistas, os contribuintes forem taxados como foi anunciado pelo Titular da pasta das Finanças, i.é, a tributação ser efectuada desde do início de 2010 (mesmo com a artimanha de taxar o diferencial entre as mais e menos-valias ocorridas ao longo do ano) tal colecta será inconstitucional para todas as situações de tomada de mais-valias que ocorreram antes da Lei entrar em vigor.

Neste afã de encontrar dinheiro através da colecta e não no corte da despesa, o Governo invoca a retrospectividade, conceito já usado pelo actual ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a propósito da aplicação da taxa de 20% sobre o saldo de mais-valias bolsista em todas as operações realizadas este ano. A legalidade constitucional desta nova taxa já foi posta em causa por um manifesto que reuniu mais de 60 fiscalistas.

Não pode ser, não pode valer tudo para atingir um determinado fim; o Governo do Estado Português deve agir como uma pessoa de bem e não como um charlatão sem palavra ou respeito pelas normas.

A retroactividade da lei fiscal é expressamente proibida pela Constituição. Isto quer dizer que qualquer nova lei não poderá ser aplicada a um facto ocorrido antes da sua vigência.

Por conseguinte, ou o Governo age dentro da legalidade ou – para cúmulo da iniquidade e prepotência – inicia desde já um processo legislativo que suspenda aquela norma Constitucional que proíbe a retroactividade da lei fiscal, seguindo os procedimentos democráticos da República.

É fartar, vilanagem!!!

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