terça-feira, 21 de abril de 2009


O actual Santo Padre tem parcialmente razão num aspecto: o uso do preservativo, só por si, não resolve o problema da pandemia do VIH e neste ponto termina a infalibilidade Papal sobre o assunto.

Há todavia uma conclusão técnica, baseada em anos e anos de ciência e de experiência, que já foi possível deduzir: o uso do preservativo é uma medida de Prevenção e de Redução de Riscos absolutamente necessária para prevenir a propagação da pandemia do VIH/SIDA.

Aqui, na Universidade do Algarve, tenho a honra de ter desenvolvido (em parceria com o CAD e a CNLCS), desde 2002, um Programa de Prevenção de Comportamentos de Risco que envolve:

1 - A distribuição semanal (e gratuita) de preservativos com informação anexa a todos os alunos das residências universitárias e aos alunos e funcionários que frequentam os bares, cantinas e serviços médicos da Universidade;

2- Um rastreio de VIH efectuado todas as semanas, alternadamente em cada pólo da UAlg;

3 - Sessões de formação ao longo do ano e uma intervenção anual - chamada de TU DECIDES -que decorre durante toda a semana das festividades da Queima das Fitas (que aqui se chama "Semana académica"), evento anual esse que alia a vertente da prevenção formativa sob 2 aspectos de redução de riscos: o VIH/SIDA e a condução sob efeito do álcool.

Ao longo destes anos que decorre o Programa de Prevenção da UALg distribuímos mais de 500 mil preservativos, efectuámos mais de 200 rastreios semanais de VIH/Sida (e 3600 testes de alcoolemia durante as semanas académicas).

Resultado quanto ao tema do VIH/SIDA? Agora, ao contrário de quando iniciámos, fala-se abertamente sobre a prevenção das DST em geral, os homens aderem cada vez mais ao programa (no início eram mais as mulheres), o feedback sobre o Programa de Prevenção é positivo em 96% dos casos (dados do último Inquérito interno de 2007, cuja tendência parece manter-se no de 2008 ainda em análise) e somos solicitados regularmente pelos alunos para intervir em sessões de esclarecimento sobre o tema e a prosseguir com as actividades de prevenção.

Os números, a mim, apesar do sucesso interessam-me relativamente: basta-me o facto que salvámos vidas. Nem que fosse apenas uma, já tinha valido o esforço. Pois não é que Quem Salva uma Vida, salva a Humanidade?

O Santo Padre e o Cardeal Patriarca que recentemente fizeram afirmações dúbias, lamentáveis e que não lhes fazem justiça, não sabem ou não querem saber, mas a Verdade - Divina - é que a ignorância, mesmo que seja a Santa Ignorância, mata!

Que Deus lhes perdoe.

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quinta-feira, 16 de abril de 2009

A culpa morre solteira


Familiares das vítimas de Entre-os-Rios poderão ter de pagar 57 mil euros


Depois das seis pessoas levadas à barra do Tribunal pela queda da Ponte Hintze Ribeiro terem sido absolvidas, a Justiça veio agora reclamar aos familiares das vítimas o valor das custas judiciais.

Ao que parece, porque o Tribunal concluiu que a queda da Ponte se deveu a causas naturais, não serão efectuadas quaisquer diligências no sentido do apuramento da responsabilidade pela morte daquelas mais de cinco dezenas de inocentes. Uma vez mais, a culpa morre solteira.

Parece assim que os culpados pela tragédia foram as vítimas que passaram naquele local à hora errada e os familiares que quiseram, por via judicial, apurar as responsabilidades daquele sinistro acontecimento.

Por se atreverem a pedir justiça por aquela tragédia tenebrosa, além de pagar com a dor imensa da perda que sofreram, os queixosos pagarão também em numerário (ou cheque ou prisão, caso não tenham como pagar as custas judiciais que lhes forem imputadas).

Algo está muito podre no sentido de Justiça da jurisprudência portuguesa.

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domingo, 5 de abril de 2009

Com amigos assim não precisamos de inimigos






















O nosso Tratado de Aliança com a Inglaterra - geralmente referenciado como Aliança Luso-Britânica sendo em Portugal conhecida vulgarmente como Aliança Inglesa - é a tida como a mais antiga aliança diplomática do mundo ainda em vigor, tendo sido assinada em 1373.

A meu ver, tal Aliança foi sempre mais proveitosa para os ingleses do que para nós, mesmo não esquecendo as guerras napoleónicas e a invasão de Portugal pelos franceses (precisamente por causa do nossa aliança com os bretões que nos obrigava a rejeitar o célebre Bloqueio Continental imposto à Inglaterra). Ao longo dos séculos, numa perspectiva longitudinal, foram mais os prejuízos do que as vantagens. Aquela que penso ser a mais evidente contribuição desse tratado político-militar foi no jogo de forças relativo à nossa independência face ao contínuo apetite de anexação castelhano… e pouco mais.

A subserviência portuguesa ao Reino Unido pode ser perspectivada como um facto histórico, tendo começado muito antes do Ultimato Inglês de 11 de Janeiro de 1891.

É certo que tivemos esporadicamente algumas respostas pífias de indignação, que é como quem diz sacudidelas ao peso da pata do Leão Inglês sobre o lombo do Zé Povinho, mas tais respostas foram muito mais manifestações de reacção emocional colectiva do que a execução de políticas afirmativas de independência efectivas. Muitas dessas resistências aconteceram sob a forma satírica: por exemplo, algumas pessoas não sabem mas a letra do Hino Nacional originalmente escrita tinha uma letra um tanto ou quanto diferente da actual: onde hoje se diz no Hino "contra os canhões marchar, marchar", dizia-se originalmente "contra os bretões, marchar, marchar.

Para ser justo, admito que houve um ou outro período de alguma excepção e de resistência efectiva às interferências inglesas nos assuntos internos de Portugal. Na nossa História contemporânea tal ocorreu por exemplo com a base militar dos Açores e deveu-se em muito à posição de neutralidade-à-portuguesa que conseguimos estabelecer durante a Segunda Grande Guerra Mundial, do novo equilíbrio geoestratégico emergente no pós-guerra não sendo estes dois factores estranhos às características manifestamente nacionalistas da ditadura salazarista, reflexo explícito da personalidade do ditador português de então.

É claro que após a nossa entrada na CEE, actual União Europeia, tivemos oportunidade para aliviar alguma da pressão acima referida, apesar de ser patente que foi estabelecida (e redesenhada) uma distribuição de influência geopolítica dos grandes países sobre os mais pequenos, à qual (e dentro da qual) nós não somos excepção.

Aquela redistribuição permite-nos agora influenciar mais eficaz e diplomaticamente algumas opções políticas de relacionamento privilegiado com outros Estados que o Interesse Nacional determinar como mais conveniente, sendo este um factor real de maior independência face aos grandes países. As novas relações - regidas pelo Princípio da Igualdade entre Estados (apesar de alguns grandes serem mais iguais do do que outros mais pequenos...) - que podemos estabelecer dentro da esfera da União permitem uma maior margem de manobra fora da influência dos nossos aliados ou com os adversários tradicionais. Isto não é novo, Nicolas Maquiavel escreveu profusamente sobre isto no “O Príncipe” .

O famigerado slogan “Espanha, Espanha, Espanha”, é um bom exemplo dessa inversão estratégica; não teve apenas um objectivo económico subjacente, foi um risco de afirmação política controlado, assim como não é inocente a nossa persistente tentativa de nos colocarmos em bico-de-pés perante a encenação dos actores principais do teatro político Mundial. Este padrão emergente faz parte - ou assim parece - da permanente necessidade, algumas vezes esquecida por alguns, de continuar a garantir a Portugal o seu lugar como Estado de pleno Direito, internacionalmente reconhecido como tal.

Bem entendido, não reprovo esse caminho aparentemente hercúleo: rentabilizar o capital (cultural, políco e económico) resultante das boas relações que temos vindo a estabelecer ao longo dos séculos, particularmente junto das paragens onde outrora estivemos, pode ser uma boa solução para a continuidade da nossa sobrevivência como País indepencente; diversificar além da Europa, numa focalização cirúrgica calculada (CPLP, Mediterrâneo, alguns Estados da Índia, uns quantos países da Ásia) pode ser a chave para o nosso futuro.

Aquele capital é único, sendo que poucos pequenos países o poderão invocar (e aplicar) como nós; apenas nos falta outro tipo de recursos, por exemplo a motivação, a competência, a planificação, a persistência, mas isso é outra conversa. Ora, eu sou um dos que pensa que desde os Descobrimentos que não tínhamos tão boas condições para nos afirmarmos com sucesso no Mundo globalizado. Só nos parece faltar que tal seja um objectivo nacional muito distante da habitual mentalidade de acomodação catastrofista, tão bem simbolizada por Camões na figura do Velho do Restelo.

Também penso que não existem hoje em dia fortes motivos para subserviência acima referida nem temos que ter medo dos leões desdentados que outrora nos intimidaram. Ainda podem ser perigosos, é certo, mas perderam muito da sua genica e poder. Basta que fiquemos atentos e que respondamos às provocações ou às tentativas – umas mais ou menos directas outras subtis e cobardes - de interferência com a certeza da nossa razão e da legitimidade com Estado multissecular de Direito.

Este caso mundialmente mediático dos McCann envergonha-nos a todos, portugueses e ingleses.

A propósito da vinda a Portugal de uma equipa de filmagens acompanhada pelo pai da criança desaparecida para fazer uma suposta reconstituição do caso McCann para o Channel 4, ontem, antes de um jantar de família, entre uns quantos Portos brancos gelados para abrir o apetite, os vapores dionisíacos permitiram aliviar a auto-censura de algumas pessoas presentes ao que, às páginas tanta, uma delas disse-me despudoradamente: “… e este caso da Praia da Luz foi abafado contra nossa vontade pelos Ingleses, e só não vê quem não quer ver que o do freeport é uma retaliação, quase como uma tentativa de Golpe de Estado”.

Como não me quis aborrecer nem azedar o efeito de um Porto Ferreira Branco tão delicioso – e quem melhor do que os Ingleses, mais uma vez os Ingleses, para invejosamente o comprovarem – respondi apenas que se fosse Juiz submeteria imediatamente (a propósito desta desavergonhada vinda a Portugal para mais uma encenação mediática depois de ser ter recusado repetidamente antes em participar numa reconstituição aquando das investigações) o pai McCann à legislação portuguesa, reabrindo o processo e detendo-o imediatamente para interrogatório.

Sem medo e com a dignidade de quem está escudado na aplicação da lógica racional, baseado naquilo que penso ser a Moral implícita no Direito (repito, se fosse eu - mero mortal - um Juiz), seria aquela a minha decisão. Isso com certeza que teria muito mais efeito do que mil encenações mediáticas pagas com o pecúlio infame que acumularam.

Hoje de manhã, porque algo me indispôs a digestão do excelente jantar de ontem e me fez ter alguns pesadelos durante a noite, fui consultar o Código Penal e encontrei no Artigo 138.º (Exposição ou Abandono) o seguinte:

« 1. Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa:

a) Expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação
de que ela, só por si, não possa defender-se; ou

b) abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente
coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir: “o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”.

2. Se o facto for praticado por ascendente
(i.é, pai ou mãe): “o agente é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos”.

3. Se do facto resultar:
a) Ofensa à integridade física grave: “o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”;

b) A morte: o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
»

Foi lamentável a Lei não ter sido aplicada. Digo eu, que não sou nem Juiz, nem advogado ou tão-pouco polícia.

Como cidadão, e porque por enquanto ainda posso, penso que, mais uma vez, neste caso McCann funcionaram as vértebras serviçais habituais e os brandos costumes de sempre, pelo que tudo ficou em águas-de-bacalhau, para indignação, revolta e vergonha de muitos e desprestígio de todos; devemos - principalmente todos os pais e mães portugueses e ingleses - perguntar: porquê e para quê.