
A propósito de uma potencialmente saborosa prenda de Natal que recebi - uma refeição no famoso Restaurante Tavares - faço hoje uma postagem que não desmerece essa futura experiência como excepção à regra mas que me afasta desta moda contemporânea do empratamento.
Assumo: como apreciador da boa gastronomia e até mesmo como aprendiz de feiticeiro das artes mágicas culinárias, por regra, eu prefiro a tradicional travessa. Só excepcionalmente numa experimentação gastronómica de texturas, aromas e sabores, tolero a apresentação por empratamento.
Por isso, transcrevo aqui uma passagem do Miguel Esteves Cardoso que traduz com graça uma aversão semelhante.
"Se há coisa que abomino é esta prática de levar com tudo já empratado. Os chefes contemporâneos deliciam-se a empratar cada criação de maneira igual, com as mesmísssimas quantidades e disposições, obrigando-nos a suportar a estética duvidosa e pseudo-artística que os anima.
Para mais, é sempre o mesmo prato gigante, com a mesma monótona lógica dos ponteiros do relógio, as torrezinhas dos ingredientes já determinadas; os mesmíssimos esguichos ridículos de molhos; as lâminas atravessadas de cebolinho; os salpicos pirosos de ervilhas e sei lá que mais.
(...)Nos restaurantes de vanguarda, são os próprios empregados que transmitem as instruções do chefe acerca da ordem e da maneira correcta de comer o metafórico prato: «Primeiro dá uma trinca no gelado de carapau; depois mistura uma colher de espuma de escabeche na boca; dá um golo deste vinho e, quando estiver prestes a engolir, levante a cabeça que dar-lhe-ei uma bombada de maresia de ostras no focinho.»
É caso para telefonar imediatamente para a Liga Anti-Nazi. Hoje em dia, com a insuportável prepotência dos novos chefes, a margem de liberdade do pobre almoçador regressou aos níveis de autonomia que tínhamos com três anos de idade."
in , Em Portugal Não se Come mal, Miguel Esteves Cardoso, 2008, Assírio & Alvim.
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